Hoje assinala-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
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anos depois da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, eis um
relato impressionante (é apenas um extracto) de um sobrevivente (ainda
vivo).
Para que Humanidande nunca esqueça.
(Desenho de David Olère, 1945)
Excertos do livro "Sonderkommando":
(Desenho de David Olère, 1945)
Excertos do livro "Sonderkommando":
Béatrice Prasquier (jornalista) - O que acontecia, nos fornos crematórios de Auschwitz, às cinzas depois de os corpos serem queimados?
Shlomo Venezia
(sobrevivente de Auschwitz)- As cinzas deviam ser eliminadas para não
deixar nenhum vestígio. Na verdade, quer nos fornos quer nas valas
comuns alguns ossos, como os da bacia, queimavam mal. Era por isso que
os ossos mais largos deviam ser retirados e esmigalhados separadamente,
antes de serem misturados com as cinzas. Estas, uma vez trituradas, eram
transportadas numa pequena carroça. Um camião vinha recolhê-las
regularmente para que fossem deitadas ao rio. Cheguei a substituir um
dos homens responsáveis por triturarem as cinzas. Isso permitia-me
apanhar um pouco de ar e sair da atmosfera sufocante e fétida do
Crematório.
Béatrice Prasquier - O que via e o que é que acontecia quando os deportados chegavam às câmaras de gás?
Shlomo Venezia
- A morte das pessoas que iam para a câmara de gás era tudo menos uma
morte pacífica. É de tal modo violento e triste que tenho dificuldade em
falar destas visões da câmara de gás. Podíamos encontrar pessoas com
olhos saídos das órbitas devido ao esforço feito pelo organismo. Outras
com sangue por todo o lado ou sujas pelos seus próprios excrementos.
Todas pessoas agonizavam e sofriam terrivelmente na câmara. Não se pense
que o gás era lançado e morriam automaticamente. Era um processo que
podia demorar mais de dez minutos, nos quais as pessoas procuravam
desesperadamente um pouco de ar - homens, mulheres e crianças. Um
processo de carnificina de tipo industrial que matou milhões de pessoas.
Na minha opinião, não posso garantir, mas penso que muitas pessoas
morriam mesmo antes de o gás ser lançado. Estavam de tal modo apertadas
umas contra as outras e em pânico, que os mais pequenos, os mais débeis,
sufocavam.
A
imagem que víamos ao abrir a porta depois da chacina era atroz, não dá
para imaginar o que aquilo era. Pensávamos que era impossível alguém
sobreviver ao gás mortífero, mas um dia, ao abrir a porta da câmara,
encontrámos um bebé vivo! Sobreviveu porque estava a agarrado ao peito
da mãe no momento do lançamento do gás, e o efeito de sucção
permitiu-lhe não inalar o veneno. Não é preciso dizer que um oficial SS,
assim que viu o bebé a chorar, sacou da pistola e matou-o, a sangue
frio, com um tiro na nuca. Nos primeiros dias, apesar da fome que me
atormentava, tinha dificuldade em tocar no bocado de pão que recebíamos.
O odor persistia nas mãos, sentia-me sujo com a morte. Com o tempo,
tive de me habituar a tudo, como instinto de sobrevivência. Tornei-me
num autómato sem capacidade de raciocinar.