
Nestes contos, que em geral não vão além de quatro ou cinco páginas, Tchékhov exercita seu olhar impiedoso e sua pena crítica, fixando-se nos tipos humanos da vida russa, como as governantas, os preceptores, os funcionários públicos do alto e do baixo escalão, os militares, os estudantes, os maridos, as esposas infelizes, as adolescentes sonhadoras. Seu humor, vazado de melancolia, é mais irônico que engraçado, e nas entrelinhas das histórias, completamente banais, vai muito de não-dito, de sugerido, de disfarçado e terrível. Dramas, decepções, loucura, traições, dores, amores frustrados, desprezo pela vida humana, desdém pelos subalternos, autoritarismo e exercício de poder, ambição desmedida e a corrupção do funcionalismo público, covardia e canalhice, tudo através de uma lente opaca e que não aumenta nada, pelo contrário: deixa diminuto mesmo, porque assim é a vida.
Num dos contos, uma mulher revela a um escritor (o próprio Tchékhov talvez), durante uma viagem de trem, o quanto sacrificou de si mesma para melhorar de vida casando-se com um velho rico. Mas os anos passaram, ele morreu, e o que lhe restou foi... casar-se com outro velho rico. Tchékhov encerra a narrativa deste horror sem qualquer comentário, cortando para o cotidiano e a natureza: 'O leque, quebrado, cobre o rostinho bonito. O escritor apoia sua cabeça pensativa no punho, suspira e se põe a refletir, com ar de psicólogo e especialista. A locomotiva assobia e solta chiados, as cortinas das janelas ficam avermelhadas ao sol poente'.
O preço que se paga por esta 'guloseima sagrada' e muitas outras é baixo, e o livro compensa em dobro cada centavo: R$13,00.