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Ver para não crer (Parte 1)

Ver para não crer (Parte 1): "

Neil deGrasse TysonÉ a segunda vez que transcrevo um texto de Neil deGrasse Tyson. A primeira foi aqui.


Tyson é astrofísico no Museu Americano de História Natural e director do Planetário Hayden. O seu estilo espirituoso e comunicativo ajuda a preencher a lacuna deixada pelo desaparecimento do grande Carl Sagan, pelo que tenho muito gosto em promover os seus escritos.


Também gosto da sua desenvoltura e sentido de humor, como se pode ver pelas participações especiais nos programas de Stephen Colbert: Bill O’Reilly prova a existência de Deus e Neil deGrasse Tyson explica as mudanças das marés (primeiro vídeo); Neil e e Stephen conversam sobre o futuro da exploração especial (segundo).


Vão lá ver os vídeos e depois, se tiverem tempo ou paciência, percam mais uns minutinhos da vossa vida a ler a prosa do Neil.


Tal como no primeiro post, esta é uma transcrição do capítulo Ver Para Não Crer, retirado também do livro Morte por Buraco Negro e Outros Embaraços Cósmicos, editado em Portugal pela Gradiva e traduzido por Pedro Miguel Ferreira.


Ver Para Não Crer é uma resenha histórica do nosso geocentrismo inicial e de como Copérnico acabaria por retirar à Terra o trono de Rainha e Centro do Universo, passando o ceptro astronómico para o Rei Sol.


Mas esta é apenas metade da história.


Por ser um capítulo mais extenso e por não ter propriamente espírito de dactilógrafo, dividi o post em duas partes. Esta segue hoje. Agora descanso os dedinhos. A segunda estará aqui amanhã. Estejam atentos.


Sem mais delongas, segue-se o artigo de Neil deGrasse Tyson.




Há tantas coisas no Universo que parecem ser de uma dada maneira mas na verdade são de outra completamente diferente que por vezes me pergunto se não existirá uma conspiração a decorrer, concebida especificamente para embaraçar os astrofísicos. Os exemplos destas patetices cósmicas abundam.




Eu sou o centro do Mundo


E se a Terra fosse plana?


Nos tempos modernos consideramos como um dado adquirido que vivemos num planeta esférico. Mas os indícios a favor de uma Terra plana foram claríssimos para milhares de anos de pensadores. Basta olharmos à nossa volta. Sem imagens de satélite, é difícil acreditar que a Terra não é plana, mesmo se olharmos pela janela de um avião. Aquilo que é verdade para a Terra é verdade para todas as superfícies lisas numa geometria não-euclidiana: uma zona suficientemente pequena de uma qualquer superfície curva é indistinguível de um plano sem curvatura.


Há muito tempo, quando as pessoas não viajavam para muito longe do local onde nasciam, uma Terra plana apoiava a perspectiva, muito agradável para o ego, de que a cidade natal de cada um estava exactamente no centro da superfície da Terra e de que todos os pontos ao longo do horizonte (a borda do vosso mundo) estavam igualmente distantes do sítio em que cada um se encontrava. Como seria de esperar, praticamente todos os mapas de uma Terra plana representam a civilização que desenhou o mapa no seu centro.




Não existem tigelas no céu


Agora olhem para cima. Sem um telescópio não se consegue avaliar a distância a que as estrelas estão. Elas ocupam as suas posições, nascendo e pondo-se como se estivessem coladas à superfície interna de uma tigela de cereais escura e voltada ao contrário.


Então porque não assumir que todas as estrelas estão à mesma distância da Terra, o que quer que essa distância seja?


A questão é que elas não estão todas igualmente distantes. E é claro que não existe nenhuma tigela. Vamos admitir que as estrelas estão dispersas através do Espaço, para aqui e para ali. Mas quão aqui e quão ali? A olho nu, as estrelas mais brilhantes são acima de cem vezes mais brilhantes do que as mais fracas delas todas. Logo, as mais fracas estão obviamente cem vezes mais longe da Terra, não estão?


Népia.


Esse argumento simples assume, ousadamente, que todas as estrelas são igualmente luminosas intrinsecamente, implicando que as mais próximas sejam automaticamente mais brilhantes do que as mais longínquas. No entanto, as estrelas surgem-nos numa estarrecedora gama de luminosidades, abarcando dez ordens de magnitude – dez potências de dez. Por isso, as estrelas mais brilhantes não são necessariamente aquelas que estão mais próximas da Terra.


A maior parte das estrelas que se vêem no céu nocturno pertencem à classe muitíssimo luminosa e estão extraordinariamente longe.


Se a maior parte das estrelas que nós vemos é muitíssimo luminosa, então de certeza que essas estrelas são comuns pela galáxia fora.


Mais uma vez, népia.


As estrelas de luminosidade elevada são as mais raras. Num dado volume de espaço, são superadas pelas estrelas de baixa luminosidade numa proporção de mil para uma. É a prodigiosa produção de energia das estrelas de alta luminosidade que nos permite vê-las em volumes de espaço tão grandes.


Suponham que duas estrelas emitem luz à mesma taxa (quer dizer, têm a mesma luminosidade), mas que uma delas está cem vezes mais longe de nós do que a outra. Poderíamos esperar que a estrela mais distante fosse cem vezes menos brilhante. Não. Isso seria demasiado fácil.


A realidade é que a intensidade da luz diminui na proporção do quadrado da distância. De forma que, neste caso, a estrela mais longínqua parece ser dez mil vezes mais fraca do que a mais próxima.


A causa desta «lei do inverso do quadrado» é puramente geométrica. Quando a luz estelar se espalha em todas as direcções, ela dilui-se devido ao aumento da superfície esférica de espaço através do qual se move. A área da superfície desta esfera aumenta com o quadrado do seu raio, o que força a intensidade da luz a diminuir na mesma proporção.




Arcturo, onde estás tu?


Muito bem: as estrelas não estão todas à mesma distância de nós; não são todas igualmente luminosas; aquelas que vemos são muito pouco representativas da maioria. Mas certamente que estão estacionárias no Espaço. Durante milénios, as pessoas, compreensivelmente, pensavam nas estrelas como estando «fixas», um conceito evidente em fontes muito influentes, como a Bíblia («E Deus colocou-as no firmamento dos céus», Génesis 1:17) ou o Almagesto de Cláudio Ptolomeu, publicado por volta de 150 d. C., onde o autor apresenta argumentos sólidos e persuasivos para a inexistência de movimento das estrelas.


Para resumir, se admitirem que os corpos celestes se movem individualmente, então as suas distâncias, medidas a partir da Terra na vertical, deverão variar. Isto implicará necessariamente que o tamanho, brilho e separação relativa das estrelas deva também variar de ano para ano. Mas não se observa qualquer variação desse tipo. Porquê?


Porque simplesmente não se esperou tempo suficiente. Edmond Halley (o do cometa famoso) foi o primeiro a descobrir que as estrelas se moviam. Em 1718 Halley comparou as posições «modernas» das estrelas com aquelas que tinham sido mapeadas pelo astrónomo grego Hiparco, que viveu no século II a. C.


Halley confiava na precisão dos mapas de Hiparco, mas também beneficiou de um intervalo de mais de dezoito séculos para comparar as posições antigas e modernas das estrelas.


Ele notou de imediato que a estrela Arcturo não estava onde outrora tinha estado. A estrela tinha-se movido de facto, mas não o suficiente, no decorrer de uma vida humana, para que isso pudesse ser notado sem recorrer a um telescópio.


Entre todos os objectos no céu, havia sete que nem sequer fingiam estar imóveis; pareciam vagabundear pelo céu estrelado e por isso os Gregos lhes chamaram planetes, ou «deambulantes»: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter, Saturno, o Sol e a Lua. Desde tempos imemoriais pensou-se, correctamente, que estes vagabundos estelares estavam mais próximos da Terra do que as estrelas, mas julgava-se que cada um deles rodava em torno da Terra, que estaria no centro de tudo.




O Sol é o centro de tudo, então


Parélio em Santiago de Compostela


Parélio em Santiago de Compostela

Aristarco de Samos foi o primeiro a propor um universo centrado no Sol, no século III a. C. Mas naquela altura era óbvio para quem quer que estivesse atento que, independentemente dos movimentos complicados dos planetas, eles e todas as estrelas de fundo estavam a girar em torno da Terra. Se a Terra se movesse, é claro que nós o sentiríamos. Alguns dos argumentos mais comuns dessa altura eram os seguintes.


Se a Terra rodasse sobre um eixo ou se se movesse através do Espaço, não sucederia que as nuvens no céu e os pássaros em voo seriam deixados para trás? (Não são.)


Se saltássemos na vertical, não iríamos aterrar num sítio muito diferente visto que a Terra se tinha afastado rapidamente de debaixo dos nossos pés? (Não aterramos.)


E se a Terra se movesse em torno do Sol, não iria acontecer que o ângulo com o qual vemos as estrelas iria mudar continuamente, criando uma variação visível da posição das estrelas no céu? (Não muda. Pelo menos visivelmente.)


Os argumentos dos opositores da ideia do Sol no centro do Sistema Solar eram bastante convincentes.


Nos primeiros dois casos, o trabalho de Galileu Galilei iria mais tarde demonstrar que enquanto estivéssemos no ar, nós, a atmosfera e tudo à nossa volta iria ser arrastado para a frente em simultâneo com a Terra em rotação e em órbita.


Pela mesma razão, se nos pusermos no corredor de um avião em voo e saltarmos, não seremos atirados para os assentos traseiros nem nos estatelaremos contra as portas da casa de banho.


No terceiro caso, não há nada de errado com o raciocínio – a não ser que as estrelas estão tão longe que seria necessário um telescópio bastante poderoso para se poder ver os desvios sazonais. Esse efeito só seria medido em 1838, pelo astrónomo alemão Friedrich Wilhelm Bessel.


O universo geocêntrico tornou-se um dos pilares do Almagesto de Ptolomeu, e a ideia ocupou a consciência científica, cultural e religiosa até à publicação, em 1543, de De Revolutionibus, em que Nicolau Copérnico colocou o Sol, em vez da Terra, no centro do Universo conhecido. Receoso de que este trabalho herético pudesse enfurecer os poderes estabelecidos, Andreas Osiander, um teólogo protestante que supervisionou as últimas etapas da impressão, incluiu um prefácio não-autorizado e não-assinado ao trabalho, em que suplicava:


«Não tenho dúvidas de que certos homens doutos, agora que a novidade da hipótese neste trabalho foi amplamente divulgada – porque estabelece que a Terra bse move e na verdade que o Sol está imóvel no centro do Universo – tenham ficado extremamente chocados… [Mas não é] necessário que estas hipóteses sejam correctas, ou mesmo prováveis, é suficiente que elas se limitem a produzir cálculos que estejam de acordo com as observações.»


O próprio Copérnico tinha consciência do sarilho que estava prestes a desencadear. Na dedicatória do livro, dirigida ao Papa Paulo II, Copérnico observa:


«Tenho perfeita consciência, Santo Padre, de que logo que certas pessoas se dêem conta de que nestes livros que escrevi acerca das revoluções das esferas do universo atribuo certos movimentos ao globo da Terra, elas irão de imediato exigir que eu seja expulso do palco por tal opinião.»


Mas pouco depois de o fabricante de óculos holandês Hans Lippershey ter inventado o telescópio em 1608, Galileu, utilizando um telescópio construído por si mesmo, observou que Vénus tinha fases e quatro luas que orbitavam em torno de Júpiter e não da Terra.


Estas e outras observações foram pregos no caixão do geocentrismo, tornando o universo heliocêntrico de Copérnico um conceito cada vez mais persuasivo.


Assim que a Terra deixou de ocupar um lugar especial no Cosmos, a revolução coperniciana, baseada no princípio de que não somos especiais, começou oficialmente.



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