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*À conversa com..."


António Júlio Duarte

© Enric Vives-Rubio/Público


António Júlio Duarte

“As minhas
imagens não se deixam entregar facilmente”
Sérgio B. Gomes (ípsilon, 23.12.2011)

Se os ruídos podem ter cores também podem ajudar a formar imagens. Já agora
que venham com muita cor, brilho e flash à mistura. O ruído que andou cravado
na cabeça de António Júlio Duarte, como um moscardo que não larga a sua presa,
fez das suas. O fotógrafo português que mais tem aterrado a Oriente serviu-se
do zumbido inebriante e das insónias para visitas recorrentes a lobbies de casinos de Macau, espaços
onde reina a ostentação, a alucinação decorativa e onde, ao mesmo tempo, tudo
parece possível e tudo parece impossível. O resultado de dez anos de regressos
às antecâmaras que alimentam o sonho da fortuna está agora em White Noise (Pierre von Kleist Editions,
2011), aquele que António Júlio Duarte considera o seu primeiro livro de
fotografia com cabeça, tronco e membros, apesar dos quilómetros de estrada,
apesar da longa bibliografia em nome próprio. Numa manhã fria de sol, de gorro
enfiado e luvas cortadas nos dedos (enrolar cigarros é preciso), António falou
do livro, da procura da quadratura do círculo e da importância da lentidão, da
rotina e da persistência. Chamou-se à liça ainda outro regresso - o da
exposição “Canil” que pode ser vista até 11 de Março na galeria Pente 10, em
Lisboa, depois de ter sido mostrada no Brasil em 2003 e (em versão alargada) em
Madrid, por iniciativa da LisboaPhoto, em 2005.

Afinal que
barulho é este que vem estampado a abrir e a fechar este livro?
É a representação gráfica do ruído branco que é uma coisa difícil
de definir por palavras. É um ruído estranho. Dependendo da intensidade, tanto
pode ser um barulho anestesiante – em volumes muito baixos é usado para
adormecer bebés, por exemplo -, como também pode ser um barulho insuportável.


Como uma tortura?
Sim, pode chegar a esse nível.
E por que é que
escolheu este título para um livro sobre lobbies
de casinos de Macau?
Porque o trabalho também está relacionado com som. As fotografias
foram feitas sempre à noite e de madrugada, em estado de jetlag ou de insónia. Quando não durmo sou muito sensível ao som…
este trabalho acaba por ser também o resultado visual de uma soma de ruídos,
desde o flash a disparar, até aos sons do casino. Houve um ruído de fundo que
me acompanhou sempre.

Houve uma condensação de ruídos
para chegar a um resultado visual?
Sim. Pensei sempre este trabalho em termos de som. Tinha quase a
certeza que seria esse o título do livro. O som é extremamente importante para
mim e neste trabalho foi ainda mais.


Foi uma constante?
Foi. Ao mesmo tempo, acho “White Noite” um título aberto. Há pessoas
que pensam que foi escolhido por causa do barulho das “slot machines”, mas não
foi. Quis dar a minha experiência sonora do espaço dos casinos. Quis realizar o
trabalho através da minha hipersensibilidade aos sons que conduziu a esse fundo
sonoro que esteve presente na edição das fotografias e todo o processo
criativo.

A ostentação “kitsch” dos “lobbies”
dos casinos macaenses parecem feitos à medida da sua fotografia e da luz
artificial com que gosta de trabalhar. Foi amor à primeira vista?
Não sei se serão espaços “kitsch”. Nós é que os vemos de uma maneira “kitsch”.
São espaços altamente simbólicos. Tudo o que está lá tem um propósito… a ostentação
da riqueza… tudo isso faz parte da estratégia dos casinos e da maneira como o
espaço é organizado. E há o lado simbólico traduzido na exposição de materiais
preciosos ou raros. Tudo isso é organizado de maneira a sentirmos presente a
possibilidade de virmos a ter aqueles objectos.

Como uma câmara de sonhos…
É uma espécie de câmara de sonhos, sim. Ao mesmo tempo é um espaço
irreal no qual perdemos o sentido da realidade. Os casinos também são lugares
concebidos para perdermos o sentido do tempo e do espaço real. Uma espécie de
alteração da consciência provocada apelos excesso de luz, pela falta de luz, pela
inexistência de referências temporais – não há relógios nos casinos, poucas
vezes se vê a luz do dia


© António Júlio Duarte


Interessou-lhe mostrar espaços
neutros…


Não é tanto os espaços, é mais o meu percurso por esses espaços, por
aquilo que fui vendo, por aquilo que me foi prendendo a atenção. Quis criar um
percurso próprio.




Ou seja, não está interessado no
mapeamento nem na tipologia dos espaços, mas assume um papel de guia por estes
universos visuais. É isso?


Sim. Não me interessava nada mapear espaços. Aquilo que se vê em “White
Noise” não é um trabalho documental sobre casinos.


Há algum lugar que tenha sido
mais forte do que o flash?


Há um espaço de que gosto bastante em Macau que é o Casino Lisboa, o
mais antigo do território. Tem um peso e uma carga próprios… é um casino à
antiga, menos plástico do que os outros, menos superficial. É muito forte.


Quem olha para as imagens de “White
Noise” consegue perceber uma luta constante entre o flash e os reflexos que o
próprio provoca, como se a imagem acabada de criar fosse devolvida…


Há um confronto de facto que está relacionado com a maneira como
fotografo. Não pretendo descrever os lugares – ainda que seja inevitável que as
minhas fotografias o façam – e o flash é um mecanismo que orienta a maneira
como me relacionei com aqueles espaços. O que posso dizer é que não foi uma
relação… [longa hesitação] amigável.




Foi mais de confronto então…


Não de confronto com o espaço em si, mas mais com aquilo que ele
representa.


E como é que um fotógrafo que
cultiva e discrição consegue passar despercebido em imagens carregadas de
luzes, reflexos, vidros, cristais e espelhos?


O brilho do flash neste trabalho oculta mais do que revela. Não sei se
sou um fotógrafo discreto. Gosto que as pessoas saibam que estou lá. No caso
deste trabalho isso não aconteceu porque não escolhi não fotografar pessoas.
Mas interessa-me muito mais que os outros tenham consciência da minha presença
e reagirem a isso. O meu trabalho é mais sobre as relações que crio com as
pessoas e com os espaços do que sobre as pessoas ou os espaços. Não comecei a
usar o flash por causa disso. Comecei a usá-lo por razões técnicas. Por falta
de luz e por ser uma luz portátil. Mas acabou mudar toda a minha maneira de
fotografar.


E inevitavelmente faz-se notar…
Sim, faço-me notar e as pessoas reagem a essa presença
transformando-se, passam a fazer coisas que não fariam se não dessem pela minha
presença.



Há em muitas das imagens do
livro grandes objectos redondos que parecem dar ao formato quadrado da sua
fotografia uma forma ainda mais perfeita. Esta espécie de quadratura do círculo
é uma procura deliberada?
Quando se fotografa em quadrado as imagens têm quase sempre essa
estrutura circular. A maneira como se enquadra pode fazer com que as coisas se
direccionem para o centro. É quase inevitável essa estrutura. Mas, por outro
lado, há essa atracção pelo círculo. É a minha forma geométrica preferida. E
por isso é um casamento perfeito. Preocupo-me muito com a maneira de inscrever
os círculos nas imagens. Quando comecei há 21 anos, comprei uma máquina de
médio formato que não me trouxe problemas de enquadramento. Era aquilo que estava
à procura, desse quadrado. Para mim, fazia muito mais sentido do que o rectângulo.
Queria quebrar a narrativa e a ligação entre imagens. No quadrado, cada
fotografia funciona mais como um universo autónomo. Há menos a tentação da
descrição, da narrativa e da continuidade. O que me interessa é que as imagens
se fechem sobre si próprias. E o quadrado é o formato ideal para isso.


Como foi o processo de edição de
um trabalho que demorou mais de uma década a ganhar forma?
Foi demorado, lento. Quando comecei a pensar num livro era uma coisa
completamente diferente. Estava mais relacionado com o território como um todo
a partir do trabalho que tenho desenvolvido em Macau. Mas a certa altura achei
que queria editar um livro mais focado. Isso determinou a edição das imagens.
Devo ter visto mil e tal imagens para chegar a estas 32. A ideia para este
livro foi ganhado forma à medida que fui editando.


Houve um trabalho de depuração à
procura de um tema?
Não foi bem à procura de um tema, mas mais à procura das imagens que
mais me interessavam dentro do trabalho. E a determinada altura pensei: porque
não escolher só estas imagens e deixar tudo o resto de fora? Queria um livro
que não fosse disperso…


Com muitas pontas soltas…
Sim. Queria um objecto fechado, sem ramificações.

© António Júlio Duarte

Ao percorrer o livro encontramos
apenas uma fotografia onde aparecem caracteres chineses. É o fotógrafo a fugir
à imagem do exótico?
É uma constante desde os meus primeiros trabalhos feitos no Oriente –
sempre quis fugir ao exótico. Acho que nenhuma das minhas imagens desses
territórios é exótica. E isso também está relacionado com a maneira como me
situo nesses lugares - sempre me pareceram naturais. Não procuro a diferença.
Para mim, todos os lugares se equivalem. Se calhar faço mais imagens exóticas
aqui [em Portugal] do que no Oriente ou noutro sítio qualquer. Acho que nunca
fotografei nada por ser apenas diferente.


Mas é difícil para um fotógrafo
movimentar-se nesse território sem ser apanhado por essa rede...
São espaços que cada vez mais se equivalem. Ainda há pouco tempo em
Paris troquei o meu livro com um alemão que fotografou exaustivamente Las Vegas.
O que nos perturbou e interessou mais foi essa semelhança dos espaços. Foram
desenhados da mesma maneira. A simbologia é outra, claro, porque são culturas
diferentes, mas são espaços idênticos, às vezes são gémeos. Talvez o meu trabalho
não seja voltado para o registo. Não tento fazer um trabalho documental. Todas
as fotografias que faço são mais sobre mim e a minha reacção aos sítios e
talvez por isso não existe essa necessidade de procurar o diferente, não sei…


Tem um percurso ligado à fotografia
com mais de 20 anos e mais de uma dezena de livros pelo caminho, mas talvez
nenhum com fulgor e a determinação de “White Noise”. Pode dizer-se que é o seu
primeiro livro de fotografia?
Sim, este é o meu primeiro livro. Todos os outros foram aproximações.
Muitas vezes por serem catálogos, outras por limitações de tempo e de orçamento
que impediram a realização dos livros que queria. Esta foi a primeira vez que
me foi dada a oportunidade de fazer o livro que queria, com o formato que
queria, sem concessões a ninguém. E, por isso, sim, este é o meu primeiro
livro.


E por que é que chegou tão
tarde? Em que é que se distingue dos outros?
Não acho que tenha chegado tarde. Chegou quando tinha de chegar. Os
percursos hoje tendem a ser muito rápidos. As pessoas procuram fazer as coisas
muito depressa. Talvez eu tenha um tempo diferente. Para mim, é normal
trabalhar cinco anos num projecto. Não tenho pressa. Não tenho a urgência das
coisas - aparecem quando têm que aparecer, por isso não acho que seja tarde.


Houve condições ideias para
fazer o “White Noise”?
Sim. Em tudo. E se pudesse reeditava todos os outros livros. Sempre os
pensei como objectos que não puderam ser…

© António Júlio Duarte

É fácil agora os fotógrafos
colocarem em livro o seu trabalho?
Acho que sim. Há mais espaço outra vez para o livro. Pensa-se o
trabalho para ser impresso em livro. Há muitos livros a sair. Para mim o livro
sempre fez mais sentido do que a exposição. Sempre quis fazer livros. Mas
sempre foi muito difícil concretizá-los bem.


A ficha técnica de “White Noite”
é quase toda portuguesa menos a impressão… Continua a ser difícil fazer livros
de fotografia de qualidade em Portugal?
O livro foi impresso na Optimal que é uma gráfica da ex-Alemanha de
Leste, perto de Berlim. Tem feito um excelente trabalho em livros de
fotografia. Trabalham com boas editoras e é uma gráfica onde se nota um gosto
particular em fazer livros de fotografia, não estão só a cumprir uma encomenda.
Tornam-se cúmplices, tornam-se parte do livro, têm orgulho e satisfação naquilo
que fazem e isso determina muito a escolha de uma gráfica.

A maior parte das gráficas em Portugal acha que um livro de artista é
uma chatice porque se ocupa a melhor máquina quando se podia estar a imprimir
folhetos para a indústria farmacêutica. Além de que os fotógrafos são uns
chatos - preocupam-se demasiado com a cor, com a qualidade do trabalho que
fazem. Há sempre essa incompatibilidade entre um bom trabalho de fotografia e
aquilo que são as políticas das gráficas. As pessoas não pensam que estão a
fazer um livro de fotografia que também é deles, onde podem demonstrar aquilo
que sabem fazer de melhor. Há dificuldades, mas já não é tão difícil como era
há uns anos.

Diz em subtítulo que este livro
é o resultado de muitas "noites de insónia" pelos casinos de Macau.
Que importância dá à persistência e ao regresso aos lugares para a
concretização de um corpo de trabalho na fotografia?
O regresso é extremamente importante para mim. Estou sempre a regressar
aos sítios aonde já fui. Não tenho essa coisa de fotógrafo-viajante de andar a
pairar pelo mundo, um dia aqui outro ali. Gosto de ir para um sítio e fixar-me,
de construir uma nova rotina que pode ser ditada pelo trabalho. Gosto de ficar
muito tempo nos sítios. Gosto de demorar tempo a fazer os trabalhos. De
repetir. De voltar outra vez. As minhas condições ideais para fotografar são
orientadas por essa lentidão e por essa persistência.


O que pode dar origem a leituras
renovadas dos mesmos sítios…
Sim, e isso dá riqueza e profundidade ao que se faz. É diferente de um
olhar de passagem que não chega a ser apurado pela rotina. Há sítios que
fotografo recorrentemente. Alguns dos quais nunca consegui fotografar bem. Dou
muita importância a este movimento de regresso para “refotografar” com o
pensamento de que um dia conseguirei aquela imagem que procuro.


Foram muitos os regressos a
Macau?
Não tantos assim ao ponto de lhe perder a conta, mas já deu para
estabelecer uma rotina.

© António Júlio Duarte


As imagens do livro e da
exposição “Lotus” (feitas na véspera da transição de Macau para a China, em
1999) mostram sobretudo a dinâmica das ruas e a paisagem urbana. O livro
termina com uma imagem de um grande objecto circular, forma geométrica plasmada
agora na capa de “White Noise”. Há algum diálogo entre estes dois livros?
Estamos sempre a regressar às mesmas imagens. Acho que estou sempre a fazer
as mesmas imagens. Isso não foi premeditado. São leituras que aparecem “a
posteriori”. Não tenho consciência quando estou a fotografar que há essas
imagens e formas obsessivas que me acompanham em todos os trabalhos. No fundo,
é quase como se estivesse a fazer a mesma imagem.


Mas há algum tipo de diálogo que
se possa estabelecer?
Não o quero fazer.

Nessa altura, em 1999, estavas a
abandonar o preto e branco e a entrar na cor. Se “Lotus” tem ainda uma
composição pictórica contaminada pela escolha de claros/escuros muito
acentuados, “White Noise” é composto por imagens onde a cor joga um papel
decisivo. Concebes a ideia deste livro apenas com imagens a preto e branco?
Não é um trabalho para preto e branco. O preto e branco torna tudo mais
sedutor, mais refinado. Gosto da cor. Quando mudei não foi uma transição
difícil. Tal como estava à espera do formato certo e ele chegou, também a cor
chegou porque tinha de chegar. E gosto da crueza da cor, faz parte dos objectos.
O preto e branco esconde aquilo que pode haver de cru nas coisas.



Mas não sentes vontade de
regressar ao preto e branco?
Há projectos recentes que fotografei a preto e branco. A passagem para
a cor não foi um corte radical. Convivo bem com os dois tipos de imagem.


Não renegas…
Nem atribuo qualquer escala de qualidade. São exactamente iguais. São
opções.

© António Júlio Duarte


Boa parte do seu trabalho
fotográfico está ligado a geografias asiáticas, com destaque para a China, Macau
e Japão. Continua interessado nos universos visuais do Oriente e na maneira
como se opõe aos do Ocidente?
Continuo interessado nos universos visuais orientais, embora não os
veja em oposição aos do Ocidente. Interessam-me por variadíssimas razões que não
são necessariamente fotográficas. São espaços com os quais me identifico que
fazem parte da minha vida. Nunca penso numa estratégia do tipo “está na altura
de fazer um trabalho sobre o Oriente”. Quando cheguei pela primeira vez senti
que estava num espaço onde me era confortável estar. Senti empatia e fui bem
recebido.


Durante a última década, para
além de Macau, fotografou Goa. Interessou-lhe de alguma maneira a comparação de
dois universos visuais que viveram sob domínio português?
Não. Isso nunca foi uma preocupação. Nunca me interessou a ligação
desses sítios a Portugal. Não me interessa o passado histórico desses países,
interessa-me mais o que eles são agora. Foi interessante fotografar em Goa, mas
não senti a empatia que se revelou noutros lugares do Oriente. Foi um bocado
difícil estar em Goa. Foi difícil fisicamente.


Porquê?
Não me senti confortável no espaço e não me apetecia trabalhar nele. Em
Goa senti que estava num espaço que não era o meu e nunca senti isso em
qualquer outro lugar.

O trabalho "canil" foi
mostrado em Madrid por ocasião do LisboaPhoto 2005. Por que é que decidiste
regressar agora a esse conjunto de imagens para uma exposição em Lisboa?
Por um lado porque nunca tinha sido visto cá. E depois porque foi
um trabalho que tinha perdido – estragou-se durante o transporte depois de uma
exposição. Houve esta oportunidade de o refazer e aproveitei. É um trabalho de
que gosto muito. Sinto que não é datável.


Como foi regressar a ele?
Foi pacífico. Continuo a senti-lo da mesma maneira que o senti quando o
fiz. É um trabalho violento, talvez dos mais violentos que alguma fiz. Mas foi
fácil voltar a ele agora porque as imagens que estão na parede são as imagens
certas. Houve uma maior segurança na escolha. São imagens que tenho tido presentes
ao longo dos anos.


As tuas imagens acompanham-te
muito na tua cabeça?
Sim. Acho que me lembro de todas as imagens que fiz.


E torturam-te?
São ambivalentes. Dão para os dois lados [risos].
A minha relação com as imagens é intensa. Às vezes agridem-me, outras
confortam-me.

A propósito desse
ensaio, o crítico espanhol Horacio Fernández escreveu que o teu trabalho deixa
quase tudo por contar. Retratas os animais no canil e o universo de utensílios
e lugares que os rodeiam, inclusive o lugar onde morrem, mas nunca uma acção
concreta. Que realidade é esta que está no contexto destas imagens?
Isso cabe às pessoas imaginar. Ou reflectir. É preciso dar essa margem
a quem vê. Porque as imagens precisam de mistério, precisam de ser enigmáticas.
É preciso dar esse espaço a quem as vê para que cada um tire as suas próprias
conclusões. Não é que procure essa característica, mas acho que as minhas
imagens não se deixam entregar facilmente.

Cito o mesmo autor que diz que
as tuas fotografias “não são monumentos do presente para historiadores do
futuro”, que ensinam alguma coisa, mas não no sentido do que deve ser corrigido
nem do que deve ser apreciado. Consideras “White Noise” um exemplo desta
leitura do teu trabalho?
Sim. As imagens são péssimas a passar mensagens. As imagens que
apresento são sobretudo sobre mim e sobre a relação que criei com as pessoas e
os lugares. São coisas minhas, íntimas. Mas não quero dar essa intimidade. É um
espaço que reservo. Daí que as minhas fotografias não apresentem discurso moral,
não têm a pretensão de passar mensagens. Talvez essas mensagens estejam lá mas
não é essa a intenção com que foram criadas. Prefiro que as pessoas olhem para
as imagens e que decidam por si o que querem ver nelas.


É um fotógrafo muito fiel a um formato
e a uma câmara. E quando acabarem os rolos para a sua Mamiya ou quando já não
houver mecânicos que a concertem?
Isso é o que está quase a acontecer… passo para outro formato. Para já
estou confortável, mas se tiver que mudar, mudo. Não sou um defensor acérrimo
da película ou do digital. Interessa-me é que haja imagem e maneiras de a
construir. Tudo o resto são discussões inúteis.

Qual foi a última fotografia que
tirou?
[tira da mochila uma máquina digital] Foi um retrato.


Já comprou uma digital?
É uma digital que faz formato quadrado [risos].

© António Júlio Duarte




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