Joan Baez em Lisboa
A viagem de Joan Baez em Lisboa
11 | 03 | 2010 16.45H
in Destak
O coliseu de Lisboa encheu-se ontem à noite para acolher o regresso de Joan Baez a Portugal, 30 anos depois do seu último concerto, no Dramático de Cascais.
Patrícia Naves | pnaves@destak.pt
Horas antes do espectáculo, faziam-se filas à porta, como se de qualquer evento da banda pop do momento se tratasse, mas com uma faixa etária muito diferente, a rondar os 50 e 60 anos, a própria idade da cantora (69). No entanto, viam-se caras novas na multidão, provando haver também pessoas das novas gerações a acompanhar e admirar a carreira de uma das mais importantes autoras folk do mundo. «Espero que alguns me acompanhem há 50 anos, espero que outros não», disse Baez logo de início, referindo-se precisamente ao desejo de ter, entre os fãs, também caras novas, novos seguidores.
Com o arrancar do concerto, a sala foi aquecendo e o espectáculo também. Será justo dizer que ao início, a voz de Baez, que durante todo o espectáculo foi bebendo chá, ainda não estaria bem aquecida e acusava um pouco da idade (como seria natural), sendo também o alinhamento inicial, com temas do novo Day After Tomorrow, de 2008, um pouco menos cativante para alguns espectadores. «Vou tocar músicas novas, outras velhas, outras muito velhas», dizia. A postura de Baez, essa postura, em jeito de ‘storyteller’, explicando o contexto e a história por detrás de cada canção, - e se são canções com história- falando de si, de quando levava o folk e se levava a ela própria demasiado a sério, de noivas e viúvas, de deuses e de esperanças, foi uma das surpresas da noite, trazendo uma sensação de showcase/sala de estar, sem se sentir a imponência de se estar perante uma mulher que actuou em Woodstock, que há menos de um mês cantou para o casal Barack e Michelle Obama.
Se o espectáculo foi um crescendo, com uma hora decorrida ele teve o seu auge. Acompanhada por uma boa banda, que inclui um filho seu, Baez já entrara nas músicas mais antigas e tocara um tema em espanhol e outro em brasileiro. Aqui, iniciou uma sequência quase histórica e emocionante: Joe Hill, cantada em Woodstock e agora dedicada «à opressão e luta, venha ela da direita ou da esquerda»; depois Susanne, de Leonard Cohen; um surpreendente Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, entoado com pronúncia quase perfeita e que além de pôr a sala toda a cantar deu origem à primeira ovação da noite; Forever Young, de Bob Dylan («Joan Baez, You’re Forever Young», gritou um fã no final); Swing Low, Sweet Chariot, cantado à capela; e Diamonds and Rust, um dos seus mais belos temas, escrito para um amante (Dylan?) nos anos 70. Aqui sentia-se a história, aqui a voz de Baez, o seu chilrear característico, parecia surpreendentemente próxima dos registos antigos, funcionando ela própria como uma viagem no tempo.
No encore, houve ainda tempo para Blowing in the Wind e Gracias a La Vida, cantado em festa total, num agradecimento por uma vida de música, partilhado por todos. Faltaram We Shall Overcome e The Battle Hymn of the Republic (Glory, glory, hallelujah), mas, com mais de 30 concertos a decorrer desde Fevereiro, quase 2 horas após o início era a altura para Baez se retirar.
No final, o balanço: A viagem a que Joan Baez levou o Coliseu foi digna, elegante, alegre, sem excessos de saudosismos ou um pingo de decadência. Numa altura em que se valoriza o imediato, o já, a juventude, o efémero, o futuro, foi uma noite de celebração da cultura musical, da história política, de décadas de convulsões e de mudança, de sensações, memórias e maneiras de estar características desses anos, e que muitos hoje só conhecem de ouvir ou ler em livros. As 4 mil pessoas que esgotaram o Coliseu de Lisboa, na sua grande maioria contemporâneos de Joan Baez, certamente gostaram da viagem – e certamente a agradecerão.
Televisionai um pouco, duas musicas apenas, mas acho que a Baez continua na mesma, mais velha, mas com a voz como a de um roxinol.