2 de Maio de 2012
Fábrica da Pólvora sem Fumo
Num panorama de desenvolvimento e de desafios científicos ao nível da
Química que se faziam sentir na Europa, 17 o Director da Arma de
Artilharia, General João Manuel Cordeiro, incumbiu em 1889 o então
Capitão Correia Barreto de estudar o fabrico de uma pólvora sem fumo
destinada ao carregamento das armas portáteis e das bocas de fogo
nacionais. Refira-se que até 1846, época em que Schoenbein fez convergir
a atenção para o Algodão Pólvora, empregava-se quase exclusivamente no
carregamento de armas, a pólvora comum .
António Xavier Correia Barreto
Luís Mardel, na sua obra Pólvoras e Explosivos Modernos, faz referência, em 1893, a esta descoberta: «A pólvora denominada Barreto, devida ao distinto oficial do nosso exército, o capitão de artilharia, sr. Correia Barreto, muito conhecido pelos seus estudos químicos, é uma pólvora sem fumo que tem por base a nitrocelulose sem dissolvente, preparada por um processo especial que ignoramos; é translúcida e ligeiramente amarelada quando cortada em lâminas delgadas».
Por consequência é inaugurada em 14 de Março de 1898, nos terrenos anexos ao antigo Convento das Freiras, ou de S. Félix, em Chelas, uma pequena oficina inicialmente designada por “Fábrica de Pólvora Sem Fumo”. Passa, então, a partilhar as instalações do antigo Convento da Freiras de Chelas com o então Arquivo do Ministério do Exército que ali já se encontrava desde 1898.
Panorâmica da “Fábrica de Pólvora sem Fumo” em Chelas
Tais instalações surgem sob o impulso do coronel de artilharia Francisco de Sales Ramos da Costa (igualmente fundador da Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata e reorganizador do Arsenal do Exército), tendo sido seu primeiro director o então capitão de artilharia António Xavier Correia Barreto, responsável pelos estudos e experiências previamente efectuados em Portugal sobre a chamada pólvora sem fumo.
Por decreto real de Dezembro de 1902, é regulamentado o funcionamento dos diferentes estabelecimentos que constituíam o chamado Arsenal do exército, nos quais se integrava esta “Fábrica de Pólvora sem Fumo” de Chelas, que estava «destinada ao fabrico de pólvoras chimicas e de cartuchame para armas portáteis e seu carregamento com pólvora sem fumo. Haverá também n’esta fabrica as secções que forem julgadas necessárias, pelas quaes se dividirão as officinas destinadas ao fabrico dos componentes das pólvoras chimicas, á preparação d’estas, ao fabrico dos fulminatos, cápsulas, cartuchame e respectivo acondicionamento.»
Oficina de pulverização e lavagem
Esta fábrica era constituída pelas seguintes oficinas e dependências:
Oficina de cardação de algodão. Desta oficina saía o algodão convertido em pasta.
Oficina de purificação do algodão, onde este era lavado e depois cortado numa lixívia de potassa.
Oficina de pulverização e lavagem, destinada a reduzir o algodão nitrado a polpa muito fina.
Laboratório
Oficina de nitração do algodão, ode se realizava a conversão do algodão ordinário em nitro celulose.
Oficina de nitro-glicerina, onde se preparava e purificava este explosivo e se misturava com o algodão-pólvora.
Oficina de laminagem e granulação, onde se fazia a conversão da mistura de algodão-pólvora e nitro-glicerina em lâminas translúcidas de aspecto córneo e com a espessura apropriada ao fim a que se destinavam.
Estufa para dessecação do algodão
Serralharia e carpintaria para o fabrico e concerto de ferramentas e utensílios
Casa da caldeira e máquina a vapor da marca suiça «Sulzer» com 90 cv. de força
Armazéns
Carreira de tiro, onde se testavam as qualidades balísticas das pólvoras
Secretaria
Planta da “Fábrica da Pólvora sem Fumo”
Correia Barreto dirigiu a fábrica até Janeiro de 1901, tendo sido ainda encarregado de dirigir o processo de ampliação, no ano de 1908. Em 1910, quando se dá a implantação da República, a Pólvora Barreto era utilizada no carregamento das espingardas de 8mm e de 6,5mm, nas carabinas de 6,5mm e no cartucho da peça de campanha de 7,5 de tiro rápido (Santos, 1911). É de referir que a descoberta da fórmula da pólvora sem fumo de Correia Barreto (e a sua posterior produção industrial) foi de vital importância para Portugal, uma vez que se conseguiu evitar o pagamento de uma avultada quantia de dinheiro que uma fábrica alemã exigia pelo segredo das manipulações químicas.
Correia Barreto no laboratório da fábrica
Todavia, somente em 1904, com o desenvolvimento acelerado do armamento e munições, foi reconhecida a indispensabilidade de urgentes e grandes obras de ampliação desta unidade fabril, dotando-a simultaneamente de máquinas modernas e de rendimento proporcional às necessidades crescentes. Percebendo-se então a vantagem evidente em que o mesmo estabelecimento produzisse as munições completas, foram adquiridos não só os maquinismos destinados ao fabrico de pólvoras, como também os imprescindíveis para a produção de todos os elementos metálicos do cartucho, originando a criação de novos sectores, entre os quais se destacavam pela sua importância e dimensão, a de cartuchame, a de carregamento de cartuchos e a do fabrico de ferramentas, produzindo-se nessa época significativas quantidades de pólvora sem fumo e cerca de 60.000 munições/dia para espingardas de infantaria e outras armas portáteis.
Oficina de carregamento de cartuchos
Durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) a produção desta fábrica mostrou-se essencial para o fornecimento ao nosso exército, nomeadamente no que diz respeito a pólvoras de artilharia, cartuchos de espingarda, metralhadora e pistola.
Em 1922, devido ás sucessivas ampliações das instalações e exigências de recursos eléctricos para as diferente oficinas, é instalada uma nova central termoeléctrica com uma máquina «Krupp» muito mais potente que a anterior «Sulzer» de 90 cv.
Central termoeléctrica com máquina «Krupp», e respectivo quadro eléctrico
Passa em 1927 a designar-se por “Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”.
“Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”, em 1939
Entre os finais dos anos 20 e de 50 do século XX, a “Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”. continuou com as duas linhas essenciais de fabrico, acentuando a produção de munições para a infantaria. Neste sector de actividade era uma unidade técnicamente completa.
Em tempos mais recentes passou a designar-se por "Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras" (FNMAL), verificando-se um novo incremento durante a II Grande Guerra Mundial, verificando-se então uma estreita colaboração entre esta fábrica e a “Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata”.
Durante os anos 50 do século XX, as instalações das munições para armas ligeiras são transferidas para Moscavide, apesar do sector químico se ter mantido nas mesmas instalações até ao seu encerramento.
O que «sobra» das oficinas, actualmente
Nos edifícios da “Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras" (FNMAL)” em conjunto com o Convento de S. Félix, encontram-se actualmente instalados parte do Arquivo Histórico Militar e o Arquivo Geral do Exército.
António Xavier Correia Barreto
Luís Mardel, na sua obra Pólvoras e Explosivos Modernos, faz referência, em 1893, a esta descoberta: «A pólvora denominada Barreto, devida ao distinto oficial do nosso exército, o capitão de artilharia, sr. Correia Barreto, muito conhecido pelos seus estudos químicos, é uma pólvora sem fumo que tem por base a nitrocelulose sem dissolvente, preparada por um processo especial que ignoramos; é translúcida e ligeiramente amarelada quando cortada em lâminas delgadas».
Por consequência é inaugurada em 14 de Março de 1898, nos terrenos anexos ao antigo Convento das Freiras, ou de S. Félix, em Chelas, uma pequena oficina inicialmente designada por “Fábrica de Pólvora Sem Fumo”. Passa, então, a partilhar as instalações do antigo Convento da Freiras de Chelas com o então Arquivo do Ministério do Exército que ali já se encontrava desde 1898.
Panorâmica da “Fábrica de Pólvora sem Fumo” em Chelas
Tais instalações surgem sob o impulso do coronel de artilharia Francisco de Sales Ramos da Costa (igualmente fundador da Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata e reorganizador do Arsenal do Exército), tendo sido seu primeiro director o então capitão de artilharia António Xavier Correia Barreto, responsável pelos estudos e experiências previamente efectuados em Portugal sobre a chamada pólvora sem fumo.
Por decreto real de Dezembro de 1902, é regulamentado o funcionamento dos diferentes estabelecimentos que constituíam o chamado Arsenal do exército, nos quais se integrava esta “Fábrica de Pólvora sem Fumo” de Chelas, que estava «destinada ao fabrico de pólvoras chimicas e de cartuchame para armas portáteis e seu carregamento com pólvora sem fumo. Haverá também n’esta fabrica as secções que forem julgadas necessárias, pelas quaes se dividirão as officinas destinadas ao fabrico dos componentes das pólvoras chimicas, á preparação d’estas, ao fabrico dos fulminatos, cápsulas, cartuchame e respectivo acondicionamento.»
Oficina de pulverização e lavagem
Esta fábrica era constituída pelas seguintes oficinas e dependências:
Oficina de cardação de algodão. Desta oficina saía o algodão convertido em pasta.
Oficina de purificação do algodão, onde este era lavado e depois cortado numa lixívia de potassa.
Oficina de pulverização e lavagem, destinada a reduzir o algodão nitrado a polpa muito fina.
Laboratório
Oficina de nitração do algodão, ode se realizava a conversão do algodão ordinário em nitro celulose.
Oficina de nitro-glicerina, onde se preparava e purificava este explosivo e se misturava com o algodão-pólvora.
Oficina de laminagem e granulação, onde se fazia a conversão da mistura de algodão-pólvora e nitro-glicerina em lâminas translúcidas de aspecto córneo e com a espessura apropriada ao fim a que se destinavam.
Estufa para dessecação do algodão
Serralharia e carpintaria para o fabrico e concerto de ferramentas e utensílios
Casa da caldeira e máquina a vapor da marca suiça «Sulzer» com 90 cv. de força
Armazéns
Carreira de tiro, onde se testavam as qualidades balísticas das pólvoras
Secretaria
Planta da “Fábrica da Pólvora sem Fumo”
Correia Barreto dirigiu a fábrica até Janeiro de 1901, tendo sido ainda encarregado de dirigir o processo de ampliação, no ano de 1908. Em 1910, quando se dá a implantação da República, a Pólvora Barreto era utilizada no carregamento das espingardas de 8mm e de 6,5mm, nas carabinas de 6,5mm e no cartucho da peça de campanha de 7,5 de tiro rápido (Santos, 1911). É de referir que a descoberta da fórmula da pólvora sem fumo de Correia Barreto (e a sua posterior produção industrial) foi de vital importância para Portugal, uma vez que se conseguiu evitar o pagamento de uma avultada quantia de dinheiro que uma fábrica alemã exigia pelo segredo das manipulações químicas.
Correia Barreto no laboratório da fábrica
Todavia, somente em 1904, com o desenvolvimento acelerado do armamento e munições, foi reconhecida a indispensabilidade de urgentes e grandes obras de ampliação desta unidade fabril, dotando-a simultaneamente de máquinas modernas e de rendimento proporcional às necessidades crescentes. Percebendo-se então a vantagem evidente em que o mesmo estabelecimento produzisse as munições completas, foram adquiridos não só os maquinismos destinados ao fabrico de pólvoras, como também os imprescindíveis para a produção de todos os elementos metálicos do cartucho, originando a criação de novos sectores, entre os quais se destacavam pela sua importância e dimensão, a de cartuchame, a de carregamento de cartuchos e a do fabrico de ferramentas, produzindo-se nessa época significativas quantidades de pólvora sem fumo e cerca de 60.000 munições/dia para espingardas de infantaria e outras armas portáteis.
Oficina de carregamento de cartuchos
Durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) a produção desta fábrica mostrou-se essencial para o fornecimento ao nosso exército, nomeadamente no que diz respeito a pólvoras de artilharia, cartuchos de espingarda, metralhadora e pistola.
Em 1922, devido ás sucessivas ampliações das instalações e exigências de recursos eléctricos para as diferente oficinas, é instalada uma nova central termoeléctrica com uma máquina «Krupp» muito mais potente que a anterior «Sulzer» de 90 cv.
Central termoeléctrica com máquina «Krupp», e respectivo quadro eléctrico
Passa em 1927 a designar-se por “Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”.
“Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”, em 1939
Entre os finais dos anos 20 e de 50 do século XX, a “Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas”. continuou com as duas linhas essenciais de fabrico, acentuando a produção de munições para a infantaria. Neste sector de actividade era uma unidade técnicamente completa.
Em tempos mais recentes passou a designar-se por "Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras" (FNMAL), verificando-se um novo incremento durante a II Grande Guerra Mundial, verificando-se então uma estreita colaboração entre esta fábrica e a “Fábrica de Material de Guerra de Braço de Prata”.
Durante os anos 50 do século XX, as instalações das munições para armas ligeiras são transferidas para Moscavide, apesar do sector químico se ter mantido nas mesmas instalações até ao seu encerramento.
O que «sobra» das oficinas, actualmente
Nos edifícios da “Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras" (FNMAL)” em conjunto com o Convento de S. Félix, encontram-se actualmente instalados parte do Arquivo Histórico Militar e o Arquivo Geral do Exército.